Elton Magalhães

Foto: Marília Magalhães

Bio

Mestre em Literatura e Cultura, professor da Universidade Católica de Salvador, poeta e cordelista. Participou de 2 antologias nas quais foi premiado (Editora LiteraCidade, 2014, e Editora Vivara, 2015). Organizou o livro O Português na Língua do Cordel, a partir de textos didáticos em Cordel produzidos por alunos do IFBaiano (Catu). Já publicou diversos folhetos em Cordel – impressos e em formato digital. Escreve casualmente para o Jornal Correio (Bahia) publicando textos em Cordel sobre as festas populares da Bahia. Promove oficinas e faz palestras cuja temática é a Literatura de Cordel.

Produção Literária

À memória de JCMN

Para querer e ter poesia

Ao modo Cabral de Melo Neto

É natural tê-la por concreto

Ou faca – onde tudo se enfia.

 

Fincá-la num turvo dissabor

(Que todos sabem: é poesia),

Puni-la, pelo justo rigor

Laminar, pois que nada alivia.

 

O poeta posto não aceita

Alimentar vago desencanto

A vida polida – se bem feita –

É somente vida, ou nem tanto.

Tem gente querendo separar o nordeste do Brasil

Hoje em dia é comum a todo instante

Qualquer um se esbaldar falando asneira;

Muitas vezes parece brincadeira

De mau gosto, haja visto que é ultrajante.

Uma corja de gente ignorante

Tem cuspido um latim demais hostil

Que nos fere tal bala num fuzil

Provocando quem nunca quis brigar

Pois tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Os irmãos que de lá do Sul/Sudeste

Não aceitam a nova posição

Conquistada por todos do Sertão

E demais regiões do meu Nordeste

Já demonstram seu ódio inconteste

Por qualquer ser humano no perfil

Cá de cima, e querem tornar vil

O direito que temos de votar

Pois tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Vê se pode pensar tanta besteira

Os que querem a tal segregação?

O Nordeste é o motor dessa nação

Desde o início ele foi nossa porteira

Fato é: gente mais hospitaleira

Nessas terras afirmo – ninguém viu.

Muita gente importante aqui surgiu

E essa história ninguém pode apagar.

Mas tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Se existisse essa tal separação

Imaginem, amigos, que problema:

Certamente seria um gran’dilema

Desfazer toda essa tradição

Inventar uma outra formação

E também novo código civil

Procurar, de maneira bem sutil

Grandes feitos dos nossos camuflar

Pois tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Eu que sou nordestino orgulhoso

Vou lembrar aos do Sul nossa riqueza.

Partirei, desse modo, na defesa

Desse povo que em tudo é virtuoso

Desde já, eu me sinto receoso

Já que exemplos eu tenho a mais de mil.

Tentarei, desde agora, ser gentil

E não queiram em nada se zangar

Pois tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

No Nordeste nasceu a Capoeira

Mestre Bimba e Pastinha aqui são mitos

O Cordel, com seus temas infinitos,

Leva ao mundo esse nome, essa bandeira.

Nosso Samba de Roda na primeira

Capital do país foi que surgiu

A Embolada pra nós sempre serviu

Como festa pro povo se alegrar

Mas tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Nosso mestre maior, o Gonzagão,

Com seu fole arretado fez história

Foi de fato a figura mais notória

Do Nordeste. Cantou a tradição,

Transformou o Forró, fez o Baião,

Conquistou o país; quem o assistiu

Não se esquece do cabra varonil

Que um palco sabia dominar

Mas tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Meus amigos, cuidado com o palheiro

Pois se a brasa do fogo aqui crescer

Sabe lá o que pode acontecer.

O profeta maior, o Conselheiro,

Desde tempos atrás com seu isqueiro

Acender uma chama conseguiu:

Seu tonel de água limpa se extinguiu

E o sertão, meus irmãos, vai virar mar.

Pois tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

O Caymmi, também o Jorge Amado,

Conseguiram mostrar pra todo o mundo

A beleza do mar, do azul profundo,

A incomum e perfeita anatomia

Dessa gente que em tudo é alegria

Dessa terra que igual nunca se viu

Desse chão, que Cabral não descobriu,

Que esperou o nosso povo se formar

Mas tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Nosso Chico valente abriu espaço

Pra diversos vinhedos no sertão.

O cacau no Nordeste é tradição,

Temos cana-de-açúcar com melaço.

Lampião, grande mártir do cangaço

Foi poeta, e histórias construiu

Combateu muito algoz e resistiu

Sendo mártir pra história eternizar

E tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Zé Ramalho, Geraldo, Belchior,

José Lins, Elomar, Graciliano,

Glauber Rocha, Wally, Tom Zé:  me ufano

Pois aqui, meus irmãos, nosso pior

Bate em quem por aí se diz melhor.

Uma terra que em tudo interferiu

Na nação como um todo sucumbiu?

Frente aos fatos é duro acreditar

Mas tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Todo mundo é chegado a uma viagem

Ao maior litoral desse país.

Quem visita essa terra sai feliz

Muita gente não vem só de passagem

Empresário aqui chega com bagagem

E fortuna que em vida adquiriu

Muita gente resorts construiu

Pra mais lucros no banco acumular

Mas tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

 

Por aqui, tem Pagode de verdade

Tem Arrocha, Seresta, Lambadão,

Nosso Brega já sustentou Faustão,

Nosso Axé sempre deixa na saudade

Os que têm uma imensa afinidade

Com o melhor carnaval que já existiu

Pode ser um argumento infantil,

Mas é bom para todos ressaltar

Pois tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Nossa Bossa, a Nova, o que seria

Sem o bruxo de lá do Juazeiro?

Dos Gilbertos, João foi o primeiro

Que cantando ao seu jeito, em calmaria,

Fez o mundo adorar nossa harmonia,

E os States em tudo o aplaudiu,

Virtuoso que é já conseguiu

Todo tipo de honra conquistar.

Mas tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

O segundo Gilberto: outra beleza

Com Caetano, mudou nosso País,

Nos marcou com a linda cicatriz

Cultural, tropical; tanta destreza

Desnudou toda nossa natureza.

O Gilberto que falo é o grande Gil

E também dessa terra ele saiu

Para a nossa cultura acrescentar

Mas tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Ariano, de alcunha Suassuna

Nome forte, de bicho tão valente,

Representa mui bem a nossa gente:

Num balaio, juntou toda fortuna

Do Nordeste e de forma oportuna

Num histórico Auto resumiu

Nossos causos; aquele que assistiu

Certamente morreu de gargalhar

Mas tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Chico Science criou o Manguebeat

Do Recife também apareceu

Manoel, João Cabral, também Alceu,

Gente nobre, do povo e da elite.

Não queria, mas vou dar meu palpite:

Muito cabra daqui se transferiu

Lá pro sul, desse modo construiu

Uma terra diversa pra morar

Mas tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Lá no Sul, Rock’n’roll é referência

(bem melhor exaltar o que é de fora)

Meus amigos, vou lhes contar agora

Que no Rock, o Brasil tem descendência

No Nordeste, em alguém que na essência

Se chamou Raul Seixas. E quem viu

Esse cabra mexer o seu quadril

Sabe bem nossa terra admirar

Mas tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

 

Vou parar por aqui, mas ‘inda resta

Muitas outras virtudes lhes mostrar.

Meu chapéu serve aqui para afirmar

Nossa força. Um povo que protesta

Com seu voto nas urnas só atesta

Que nem só de primeiro de abril

Ele vive, e que já desistiu

De perante os do Sul se ajoelhar

Pois tem gente querendo separar

O Nordeste do resto do Brasil.

Publicações

  • Participou da Antologia Prêmio Nacional Nova Poesia, com o poema Soneto, 2015;
  • Participou da Antologia Prêmio LiteraCidade de Poesia Jovem com o poema À Memória de JCMN (Editora Literacidade), 2014.
  • 2014: O ano da Copa no país do futebol (Editora Mondrongo), 2014;
  • Haikais zodiacais e outros pastiches para o espírito (Editora Mondrongo), 2016.

Contato

eltonveota@gmail.com