João Mendonça

Raramente meu sobrinho vem me visitar. Hoje pela manhã, ele apareceu aqui bem de repente. Ele tem 10 anos. Chegou tão cedo que entrou no meu quarto me acordado. “Tio, vamos brincar no parquinho?”
O parquinho, ah quanto tempo não vou lá. Nem me lembrava mais da mangueira e da areia que cobre o parquinho.
Chegamos lá e íamos começar a desbravá-lo, até que começamos a cavar a areia, um buraco muito grande estava sendo aberto por nos dois. Continuamos cavando com uma pá nova que pegamos na garagem e não conseguimos tirar tudo, até que o buraco foi aumentando à medida que as coisas apareciam.
Deixei a pá encostada na parede e comecei a cavar com a minha própria mão mesmo. Estava anoitecendo, desde a manhã estávamos cavando. Comecei a tirar os primeiros objetos.
O relógio preto que meu pai me deu de presente de 10 anos, a foto de minha primeira namorada, a bola de basquete, o badogue que eu brincava atirando pedras, o murro que eu levei na cara do meu melhor amigo, os carrinhos de ferro que eu colecionava, o esporro da professora, meu sonho de ser astronauta, meus óculos quebrados, a imagem que tinha de Deus, o medo da morte, todos os fantasmas que vinham me atormentar à noite, as músicas de Moraes Moreira, o fim do mundo, o mendigo que morreu na porta do meu prédio, o sorriso de minha irmã, minhas primeiras  observações sobre o sol, o escuro das escadas vazias, as mulheres velhas que me assustavam, as cores dos potes de tinta que eu pintava, a barraquinha de camping…
E continuamos cavando, até que meu sobrinho olhou para todas aquelas coisas e disse: “Todas essas coisas não são mais suas. De quem são?”. Olhei para ele, me levantei e fui dormir. E decidi: nunca mais abro meus buracos como se fosse uma brincadeira qualquer.