Bio
Paula Lice é atriz, diretora, performer. Também escreve para teatro, cinema e TV. É graduada Letras, com mestrado em Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura e doutorado em Artes Cênicas, todos pela UFBA. Fundou em 2011 a Pequena Sala de Ideias, um território de colaboração criativa que reúne os trabalhos que cria e produz com outros artistas, desde 2009. Destacam-se no repertório da Pequena Sala, os espetáculos de dança “As Borboletas” e “Masturbatório”, os trabalhos-solo “Isto não é uma mala”, “Pogobol” e “Parece Bolero”; e o documentário em curta-metragem “Jessy” (Júri Popular Festival do Rio 2013, Melhor Curta Nacional no Panorama Coisa de Cinema 2013 e no Cine Ceará 2013, Melhor Atriz (Prêmio ABD/APECI Melhor Curta Nacional do Festival de Cinema de Triunfo 2013 e Melhor Roteiro no Cine Taquary 2013). Com intensa dedicação à criação para o universo infantil, Paula Lice é co-autora da peça, do curta e do longa-metragem de animação homônimo “Miúda e o guarda-chuva”, inspirado em conto de sua autoria, produziu o espetáculo de dança “Quarto Azul” e escreveu, dirigiu e produziu “Para o menino-bolha” (Melhor Texto no Prêmio Braskem de Teatro 2015), bem como o livro infantil correlato “A Gilafa”. Atualmente é professora de Design do Espetáculo, na Universidade Federal do Recôncavo Baiano.
Produção Literária
A Gilafa
Eu vou contar uma história sobre como um dia eu me encontrei comigo mesma quando eu tinha nove anos. Eu estava tomando café, que é uma coisa de gente grande. Se bem que, aos nove anos, eu também tomava café. Ralo e com muito açúcar. No terceiro gole de café, um rapaz sentou à minha frente e me disse que o primeiro desafio da girafa é sobreviver à queda.
Pensei na girafa que eu tinha, aos nove anos, que esteve ao meu lado durante toda a minha infância. Quando ela nasceu, bateu forte com a cabeça no chão. Eu achava que ela não ia sobreviver. Minha mãe tapou os meus olhos para que eu não visse. Foi quando ela, ainda bamba da queda, ensaiou ficar em pé pela primeira vez. Deu três passos e caiu de novo.
Quis chegar perto, mas minha mãe me disse que isso era trabalho da girafa-mãe. Nesse tempo, eu morava com a minha mãe em uma árvore bem cheia de folhas. Todos os dias, a primeira coisa que eu via eram cabeças de girafas. Muitas. Todas ali, ao redor da casa. O meu tio, as minhas tias-avós, toda a família morava em árvores. Todas ao redor do coração.
Girafa é um bicho muito doce. Ninguém pode se sentir triste se tem uma girafa por perto. Nunca me faltou chão enquanto eu morei à vista das girafas. A primeira coisa que a minha girafa me disse foi: Eu gosto que você se chame Malia. E depois disso, ela virou a minha Gilafa. Foi ela quem me ensinou a andar de bicicleta e a comer jambo. Uma fruta vermelha.
Um dia, a minha girafa precisou ir embora com todas as outras girafas que moravam ao redor da minha casa na árvore. Na época, a mãe da minha Gilafa me disse: Mariazinha, você vai crescer e isso é uma coisa muito bonita. Eu perguntei se doía. Ela disse que algumas belezas doem, como queda da bicicleta. Mas que, para ela, não há satisfação igual a andar de bicicleta. Na época, eu não sabia o que era satisfação. E então passou um vento.
Eu não me lembro da última coisa que a minha Gilafa me disse porque o abraço foi muito demorado. Se eu fechar bem o olho, ainda sinto o bafinho quente da respiração dela no meu ombro. Assim que eu cresci, desenhei uma girafa amarelo-cintilante no peito. É para ela que o meu filho olhava, quando sentia medo de dormir no escuro.
Ter uma girafa, ter um filho, ter um sol. Meu filho, que agora toma café, sentado à minha frente, tinha medo de tirar as rodinhas da bicicleta. E também precisou de uma girafa para aprender a cair. Todas as outras girafas ainda correm comigo. Crescer é como andar de bicicleta. Uma vez que se aprende, não se pode mais desaprender. O segredo é inventar modos de viver de outra maneira. Estamos aprendendo com o vento.
Publicações
- Para o menino-bolha, 2015 - infanto-juvenil (Prêmio Braskem de Teatro – melhor texto);
- A Gilafa, 2015 – infanto-juvenil;
- Isto não é uma mala: versão-livro, 2012 – e-book (Fotolivro: co-autoria com Marcelo Sousa Brito, Saulo Moreira e fotos de João Meirelles, Nilson Rocha e Tiago Lima);
- Miúda e o guarda-chuva, 2009 – infanto-juvenil (adaptado para curta-metragem, pelo ANIMATV, 2010 e para longa-metragem,com recursos da FUNCEB, com estreia prevista para 2017).